Marginalização XII

Summer 77
Atarantado pelos automóveis, meus olhos são varados pelo neon, 
degusto minhas doses de cinismo nos balcões molhados pelo vácuo. 

As mariconas fustigam meu corpo com olhares sórdidos, 
cada olhar fere fundo e cria crostas que se endurecem: 
até a noite acabar esses olhares superpostos me tornaram imune. 
Avenida São Luíz e seus anjos turvos, supermaketing de pupilas frenéticas, 
sob as árvores o poder acaricia e intumesce caralhos languidos. 

Há pelos corpos em fila uma náusea imprecisa, eu vejo uma sinfonia de 
cusparadas e aprendo acordes sombrios com os quais devo ornar 
minhas pernas metidas num blue jeans rasgado. 

Meu camarada uns passos à frente negocia sua boca de estátua grega 
perfumada por conhaque e baforadas com um pederasta untuoso 
que pilota uma reluzente máquina. 
Nos viemos do subúrbio numa progressão eufórica, bebemos 
várias cachaças & nossos corações acossados pela média preferem 
a autocorrosão, mas é assim que a cidade nos gosta. 

Eu vejo funcionários públicos levemente maquiados. 

Eu vejo policiais que me tolhem os passos com ameaças de sevícias. 

Eu vejo as bichinhas evoluirem num frenesi azeitado por 
anfetaminas e um desespero dissimulado. 
As mariconas não as buscam, por isso elas exorcizam a noite 
com gritos e veêm nos outros rapazes um 
frisson de inexistentes limusines. 
O poder pelas esquinas gargalha. 
Atarantado pelo sono, embarco ríspido num carro. 
Logo mais, de madrugada, ejacularei catarro, voltarei no ônibus com 
meu amigo, adentraremos em silêncio o subúrbio 
sabendo que algo em nós foi destroçado.

AUTOR: FRANÇA 

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